quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O Conceito de Patrimônio no Decorrer da História


     Patrimônio (patrimonium) é uma palavra de origem latina que, segundo os antigos romanos, se refere a tudo o que pertence ao pai de família (pater). No início, o patrimônio era dotado de um valor aristocrático, referente à transmissão de bens no seio da elite patriarcal romana. Não havia o conceito de patrimônio público. Ao contrário, o Estado era apropriado pelos pais de família. Nesse sentido, o patrimônio era patriarcal, individual e privativo da aristocracia.
     A partir da Antiguidade tardia (séculos IV-V) e, principalmente, da Idade Média (séculos VI-XV), acrescentou-se ao caráter aristocrático do patrimônio o caráter religioso. Com a difusão do cristianismo, o culto aos santos e a valorização das relíquias deram às pessoas um sentido simbólico e coletivo de patrimônio. Dessa forma, os sentimentos religiosos elevaram-se à categoria de valores sociais compartilhados, concretizando a valorização dos objetos, lugares e rituais coletivos. Assim, a monumentalização das igrejas e catedrais dominou as paisagens do mundo físico e espiritual.
     Em seguida, o Renascimento viria produzir uma essencial mudança de perspectiva nas sociedades européias da época. Os homens de então lutaram pelos valores humanos em substituição ao domínio da religião, fortalecendo o antropocentrismo e combatendo o teocentrismo que prevalecera por longos séculos. Os humanistas começaram, então, a se preocupar com a catalogação e coleta de tudo que viesse dos antigos: moedas, inscrições em pedra, vasos de cerâmica, estatuária em mármore e em metal. Vestígios de edifícios também eram medidos, desenhados e estudados com grande dedicação. Esses humanistas fundaram na Europa o que viria a se chamar de Antiquariado. Nesse sentido, eles retomaram o passado através de sua concreta valorização, buscando inspiração na Antiguidade grega e romana.
     Entretanto, o surgimento dos Estados absolutistas desencadeou uma transformação radical no conceito de patrimônio. Em tais sociedades, ele não era algo público e compartilhado, mas privado e aristocrático, devido ao forte caráter monárquico presente nas unidades territoriais. Até o século XVIII, na Europa, os Estados eram monárquicos e religiosos, baseados da identificação da nação com a casa real. Todos eram súditos do reino e deviam fidelidade ao rei, soberano por direito divino, legitimado pela Igreja Católica. Assim, o patrimônio voltou a ser aristocrático, na forma de coleções de antiguidades, como o imenso acervo dos papas que, hoje, está no museu do Vaticano.
     O moderno conceito de patrimônio se desenvolveu na França, a partir da revolução de 1789. A Revolução Francesa viria a destruir os fundamentos do antigo reino, acabando com a hegemonia absoluta dos reis e, consequentemente, modificando a razão de ser do Estado e da população. A República criava a igualdade, refletida na cidadania dos homens. Dessa forma, foi preciso criar os cidadãos, fornecer os meios para que compartilhassem valores e costumes, para que tivessem um solo e uma origem. O Estado nacional teve como tarefa principal inventar os cidadãos. Estes deveriam compartilhar uma língua, uma cultura, uma origem e um território. Em plena Revolução Francesa, em meio às violências e lutas civis, criava-se uma comissão encarregada da preservação dos monumentos nacionais. O objetivo era proteger os monumentos que representavam a incipiente nação francesa e sua cultura. Assim, começa a surgir a atual concepção patrimonial, não mais no âmbito privado ou religioso das tradições antigas e medievais, mas de todo um povo, com uma única língua, origem e território.

Fonte: FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.

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