Patrimônio
(patrimonium) é uma palavra de origem
latina que, segundo os antigos romanos, se refere a tudo o que pertence ao pai
de família (pater). No início, o
patrimônio era dotado de um valor aristocrático, referente à transmissão de
bens no seio da elite patriarcal romana. Não havia o conceito de patrimônio
público. Ao contrário, o Estado era apropriado pelos pais de família. Nesse
sentido, o patrimônio era patriarcal, individual e privativo da aristocracia.
A
partir da Antiguidade tardia (séculos IV-V) e, principalmente, da Idade Média
(séculos VI-XV), acrescentou-se ao caráter aristocrático do patrimônio o
caráter religioso. Com a difusão do cristianismo, o culto aos santos e a
valorização das relíquias deram às pessoas um sentido simbólico e coletivo de
patrimônio. Dessa forma, os sentimentos religiosos elevaram-se à categoria de
valores sociais compartilhados, concretizando a valorização dos objetos,
lugares e rituais coletivos. Assim, a monumentalização das igrejas e catedrais
dominou as paisagens do mundo físico e espiritual.
Em
seguida, o Renascimento viria produzir uma essencial mudança de perspectiva nas
sociedades européias da época. Os homens de então lutaram pelos valores humanos
em substituição ao domínio da religião, fortalecendo o antropocentrismo e
combatendo o teocentrismo que prevalecera por longos séculos. Os humanistas
começaram, então, a se preocupar com a catalogação e coleta de tudo que viesse
dos antigos: moedas, inscrições em pedra, vasos de cerâmica, estatuária em
mármore e em metal.
Vestígios de edifícios também eram medidos, desenhados e
estudados com grande dedicação. Esses humanistas fundaram na Europa o que viria
a se chamar de Antiquariado. Nesse sentido, eles retomaram o passado através de
sua concreta valorização, buscando inspiração na Antiguidade grega e romana.
Entretanto,
o surgimento dos Estados absolutistas desencadeou uma transformação radical no
conceito de patrimônio. Em tais sociedades, ele não era algo público e
compartilhado, mas privado e aristocrático, devido ao forte caráter monárquico
presente nas unidades territoriais. Até o século XVIII, na Europa, os Estados
eram monárquicos e religiosos, baseados da identificação da nação com a casa
real. Todos eram súditos do reino e deviam fidelidade ao rei, soberano por
direito divino, legitimado pela Igreja Católica. Assim, o patrimônio voltou a
ser aristocrático, na forma de coleções de antiguidades, como o imenso acervo
dos papas que, hoje, está no museu do Vaticano.
O
moderno conceito de patrimônio se desenvolveu na França, a partir da revolução
de 1789. A
Revolução Francesa viria a destruir os fundamentos do antigo reino, acabando
com a hegemonia absoluta dos reis e, consequentemente, modificando a razão de
ser do Estado e da população. A República criava a igualdade, refletida na
cidadania dos homens. Dessa forma, foi preciso criar os cidadãos, fornecer os
meios para que compartilhassem valores e costumes, para que tivessem um solo e
uma origem. O Estado nacional teve como tarefa principal inventar os cidadãos.
Estes deveriam compartilhar uma língua, uma cultura, uma origem e um
território. Em plena Revolução
Francesa , em meio às violências e lutas civis, criava-se uma
comissão encarregada da preservação dos monumentos nacionais. O objetivo era
proteger os monumentos que representavam a incipiente nação francesa e sua
cultura. Assim, começa a surgir a atual concepção patrimonial, não mais no
âmbito privado ou religioso das tradições antigas e medievais, mas de todo um
povo, com uma única língua, origem e território.
Fonte: FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo. Patrimônio histórico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
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